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Os porcos-espinhos  


Um rebanho de porcos-espinhos pastava na tundra gelada da Sibéria Polar. Cada qual procurava por seus próprios esforços líquens salvos do gelo. De súbito, a tempestade começa e o vento glacial sopra cada vez mais forte. Num mesmo movimento instintivo, o rebanho se une para abrigar-se do vento. Eles se encostam uns nos outros. Rapidamente, fundem-se numa só carne para escapar do sopro glacial e encontrar algum calor no contato dos corpos juntos. Contudo, quanto mais se encostam uns nos outros, tanto mais seus espinhos, endurecidos pelo gelo, penetram-lhes a carne, dolorosamente. Feridos afastam-se instintivamente. Mas o vento carregado de neve os envolve, outra vez, com sua capa gelada. Num instante, eles se aproximam de novo, mas procurando não se ferir, nem longe demais, para aproveitar o calor uns dos outros, nem perto demais para não se machucar...E, dessa vez, descobrem a distância correta.

O evangelho de Marcos do 29º Domingo do Tempo Comum volta sobre um assunto que, pelo jeito, devia ter sido muito debatido no grupo dos apóstolos e, com certeza, o era também nas primeiras comunidades cristãs: quem serão os primeiros, as pessoas mais importantes, neste “novo” Reino do qual tanto falava Jesus? Na discussão anterior, ao serem indagados pelo Mestre, os discípulos tinham ficado calados (Mc 9,34). Agora, Tiago e João querem mesmo que Jesus faça o que eles estão pedindo: ser as autoridades mais altas quando chegar a hora da vitória final. Pensam, evidentemente, no poder humano, mas estão muito equivocados. A “glória” de Jesus não se manifestará num trono deste mundo como eles pensam, mas do alto de uma cruz que, nesse trecho do evangelho, é apresentada como um cálice a ser tomado e um batismo a ser recebido. De fato, no Getsêmani, Jesus rezará ao Pai que afaste dele o cálice da paixão e da morte (Mc 14,36).

 Questionados sobre a possibilidade de partilhar aquele sofrimento, Tiago e João não desistem; estão prontos a tudo para alcançar o poder que imaginam lhes será devidamente reconhecido. Jesus, porém, corta logo as ambições deles, porque não caberá a ele conceder esses lugares. Os demais discípulos ficam indignados com tamanha ousadia dos dois e Jesus aproveita para explicar-lhes como as coisas devem ser completamente diferentes entre eles. Os poderosos deste mundo oprimem e tiranizam os povos, mas entre eles, “não deve ser assim”: quem quiser ser grande, ser o primeiro, seja aquele que serve a todos. São quase as mesmas palavras que já ouvimos de Jesus em Mc 9,35. Tem agora, porém, uma grande novidade. A motivação deste “serviço” está no exemplo dele mesmo: “o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida como resgate para muitos” (Mc10,45). Esse “resgate” era o preço que alguém resolvia pagar para libertar um parente ou amigo daquela escravidão na qual tinha caído por causa das dívidas advindas, muitas vezes, das circunstâncias adversas da vida. Nem todo parente ou amigo estava disposto a ajudar desta forma. O faziam somente os mais disponíveis e generosos. Jesus declara assim que dará a própria vida para alcançar a libertação de muitos. Por amor mesmo, não pelo poder. 

Quero chamar a atenção sobre as palavras “entre vós não deve ser assim”. Vós quem? Todos os que querem ser discípulos de Jesus. Antes de julgar ou lamentar pelas situações injustas de opressão e falta de liberdade, que ainda existem de tantas formas na nossa sociedade, precisamos fazer a experiência da fraternidade, ou seja, acreditar que é possível organizar a convivência entre as pessoas sem os mandos e desmandos de uma autoridade opressora. Ao contrário, aqueles que estão na frente devem ser capazes de promover a dignidade e a participação de todos e de todas. Talvez como comunidades cristãs ainda estejamos devendo isso quando nós também cedemos à ambição dos primeiros lugares não para servir, mas para o gosto do poder. Chega de agulhas e lanças para machucar os outros e ferir a nós mesmos. Afinal os porcos-espinhos encontraram a distância certa para se defender do frio. É o frio do egoísmo, do orgulho e da soberba.


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Articulista/Colunista

Dom Pedro José Conti

Bispo de Macapá

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by Robert Smith