A IDEIA DE PRODUTO
Temos mostrado que a ciência não trata com a verdade. Consideramos a verdade como a única e suficiente explicação para a compreensão do comportamento de determinado fato ou fenômeno do mundo. Como consequência, diante da verdade não há explicações alternativas, nem sucedâneas, nem concorrentes. Em termos analógicos, seria como se todo mundo olhasse para uma coisa e visse exatamente o que todos vissem, nos mínimos detalhes, sem absolutamente nenhuma distinção, por menor que seja. Para utilizar uma ideia de Jean-Jacques Rousseau, isso só seria possível se a) todos os seres humanos fossem absolutamente iguais em tudo ou b) se todos os seres humanos fossem deuses. Em última análise, o dia em que se alcançar a verdade sobre algum aspecto da realidade, naquele exato instante a ciência acaba. A ciência é justamente a pluralidade e diversidade de explicações, todas válidas, muitas aparentemente contraditórias (a contradição não existe em ciência). Estamos falando isso porque a ideia de produto se aproxima muito da noção de verdade, sempre no sentido de consenso acerca das explicações que a ciência fornece sobre as coisas do mundo.
Todos os levantamentos da literatura que temos feito ao longo dos últimos oito anos acerca do que é um produto trouxeram uma resposta inquietante: um produto é qualquer coisa. O último levantamento feito, em 2022, mostrou que 70% das respostas coletadas disseram justamente isso: qualquer coisa (“anything”, do inglês). Isso é inquietante porque “qualquer coisa” é qualquer coisa, com o perdão da tautologia. Pode ser uma folha de cidreira, um pato nadando em uma lagoa e até mesmo um sentimento de raiva ou amor. Qualquer coisa é qualquer coisa.
Outra resposta frequente encontrada foi algo (“something”, do inglês). O que é algo? Por incrível que pareça, algo é alguma coisa. E alguma coisa é outra maneira distinta de dizer “qualquer coisa”. Algo, alguma coisa e qualquer coisa são palavras muito parecidas em significação com o termo “negócio”, utilizado pelos amazônidas. Qualquer coisa pode ser substituída por “negócio”. Uma mãe pode perguntar para o filho “Que negócio é esse?”, com a intenção de saber o que ele está fazendo. Um professor pode perguntar ao seu aluno “Que negócio é esse ao seu lado?”, para se referir a algum objeto. Da mesma forma, pode até significar membro sexual, como no exemplo “O garotinho estava com tanta vontade de fazer xixi que botou seu negócio para fora e se aliviou ali mesmo, na frente de todo mundo”. “Algo” correspondeu a cerca de 20% das respostas encontradas no nosso levantamento. Outras poucas variações sobre o que é um produto foram “conjunto de atributos”, “qualquer oferta”, “todo útil”, bem, serviço e ideia, correspondentes a 10%.
Quando se define alguma coisa, como já mostramos, há que se distinguir dois aspectos definicionais. O primeiro é o termo de equivalência, que são justamente os termos que apresentamos aqui “qualquer coisa”, “algo”, “qualquer oferta” e assim por diante. Esses termos apontam a abordagem da ciência. O segundo aspecto são os atributos, que são as características peculiares que fazem com que o termo de equivalente se diferencie de tudo o mais. Por exemplo, muitos estudos dizem que um produto pode ser considerado “qualquer coisa” que se possa oferecer, enquanto outros mostraram que um produto pode ser definido como “qualquer coisa” que satisfaça um desejo. Note que os termos de equivalência são os mesmos (a mesma abordagem), mas os atributos são diferentes (poder oferecer é diferente de satisfazer desejo).
Toda definição é como uma equação matemática. Do lado direito são apontados, primeiro, o termo de equivalência e em seguida os atributos. Quanto mais complexo o fenômeno a ser equacionado, mais e mais atributos ele vai ter. Por exemplo, a equação f(H) = sh + sm designa o termo “homem”. O termo de equivalência é sh, enquanto sm é o seu único atributo. A equação f(Adm) = P (pl + or + di + co) → Ob designa o fenômeno administração, que é igual a um processo (termo de equivalência) de planejar, organizar, dirigir e controlar (que são os atributos) voltados para o alcance de objetivos (que é um vetor). Em termos compreensivos, o ser humano homem é mais simples do que o fenômeno da administração.
Essas explicações são necessárias para que se compreenda que a ideia de produto é extremamente complexa, apesar da singularidade quase consensual do seu termo de equivalência, que significa que qualquer coisa pode ser um produto. Pode ser, contudo, é diferente de ser. Daí a necessidade de se compreender os atributos, principalmente aqueles que mais se repetem, que denotam algum grau de consenso. E novamente outra surpresa: apenas um atributo é essencial se entender o que é um produto: suprir alguma necessidade.
Em termos sintéticos, a ideia de produto decorrente da análise da literatura científica é que ele pode ser definido como qualquer coisa que supre alguma necessidade. É uma certa loucura, reconhecemos, porque é uma definição extremamente vaga porque é profundamente ampla. Essa extrema ambiguidade, naturalmente, é compensada pelos inúmeros atributos que tenta, a cada caso, especificar, delimitar, apresentar um escopo mais operacional desse incrível fenômeno. Um produto é qualquer coisa, mas com uma condição extrema: essa coisa tem que suprir alguma necessidade. E não importa se essa necessidade é humana, de outro ser vivente e até de algo inanimado, como veremos no futuro.
Quando os cientistas direcionam seus esforços para a criação de tecnologias, suas mentes funcionam tanto de forma panorâmica quanto focada. É algo meio esquisito assim. É panorâmica porque utilizam conhecimentos de inúmeras e distantes áreas, mas é focada porque esses conhecimentos são forçados a convergir para algo específico, que é a necessidade que desejam suprir com o produto que desejam inventar. Esse produto é chamado tecnologia. O método científico-tecnológico (MC-T) é uma sequência lógica de convergência desses conhecimentos para gerar produtos tecnológicos.
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